quinta-feira, 27 de maio de 2010

Verba emperrada para programas culturais em Minas


Carlos roberto


“Favela é Isso Aí” é um dos cem Pontos de Cultura que aguardam liberação de recursos

Dois dos principais programas culturais planejados para serem executados em Minas Gerais neste ano estão travados pela Secretaria de Estado da Cultura. Cem Pontos de Cultura continuam no papel e o Música Minas foi interrompido. O motivo: a resolução 23.089 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que impede a transferência de recursos públicos para entidades privadas em 2010, por ser um ano eleitoral.
A implementação dos cem Pontos de Cultura, que deveria ter sido realizada em 2009, demanda R$ 18,1 millhões, sendo R$ 12,1 milhões do Ministério da Cultura e R$ 6 milhões como contrapartida do Governo do Estado. O Música Minas receberia recursos estaduais que somam R$ 1,55 milhão.


Os Pontos de Cultura fazem parte do Programa Mais Cultura, do Ministério da Cultura (Minc), em parceria com os Governos Estaduais de todo país. Enquanto em Minas há um entrave para a implementação do programa, em todos os Estados da Federação, com exceção de Paraná e Rio Grande do Sul, os pontos estão em pleno funcionamento. Os projetos foram aprovados em julho de 2009, mas até agora não foram assinados. O argumento da Secretaria Estadual de Cultura é que a legislação eleitoral (lei 9.784/99) não permite. A decisão está baseada na Nota Jurídica número 2.264, de 14 de abril de 2010, em que a Advocacia-Geral do Estado (AGE) determinou que em todo o ano de 2010 não seja celebrado nenhum convênio entre órgão da administração pública estadual e entidades privadas sem fins lucrativos, prevendo o repasse de bens, valores e serviços para reverter para à população.


Entretanto, 20 dias depois, dia 4 de maio, o consultor jurídico do Minc Cláudio Péret Dias emitiu despacho (processo 01400.007052/2010-47) afirmando categoricamente que a legislação eleitoral não se aplica a “convênio, assumindo obrigações e, eventualmente, prestando contrapartida financeira ou em bens e serviços economicamente mensuráveis, tal como ocorre no Programa Mais Cultura/Pontos de Cultura”. Inclusive, secretários do Minc já vieram a Belo Horizonte negociar com o Governo de Minas o repasse dos recursos para os Pontos de Cultura do Estado.


O secretário de Estado de Cultura, Washington Mello, afirmou que está buscando soluções jurídicas para o impasse com colegas de outras localidades. “Em vários Estados foram assinados os convênios em 2009 e a liberação vem sendo feita ao longo de 2010. O Governo de Minas, por orientação da AGE, está consultando outros Estados, inclusive Bahia e Acre, sugeridos pelo MinC, para saber se firmaram convênio em 2010 para Pontos de Cultura e qual foi o argumento jurídico que resguardou as atitudes das Secretarias de Estado”, explicou.


Segundo ele, a AGE só permitiria o repasse de verbas se os pontos fossem programas sociais autorizados em lei e em execução orçamentária desde 2009 ou se fossem oriundos de convênios com contrapartida financeira ou de bens e serviços – o que não é o caso.


Mas a pergunta que fica para os realizadores culturais que conseguiram aprovar os Pontos de Cultura no difícil processo seletivo, é por que os convênios não foram assinados no ano passado, quando não havia restrição em relação à legislação eleitoral? O Minc recomenda aos conveniados que as assinaturas sejam feitas logo após o processo seletivo, ou seja, isso poderia ter sido feito há 11 meses, quando o comando da Secretaria de Cultura de Estado era de Paulo Brant. Procurado pela reportagem, o ex-secretário não retornou às ligações até o meio da tarde de quarta-feira (26).


De acordo com o atual secretário de Estado de Cultura, Washington Mello, os convênios poderiam realmente ter sido assinados em 2009, mas não houve entendimento entre a secretaria e os proponentes, até o final do ano passado, em relação à documentação exigida. Os projetos não estariam de acordo com as normas exigidas e isso teria atrasado a implementação dos Pontos de Cultura.


Mas como a Resolução 23.089 do TSE foi publicada em 1° de julho de 2009, a Secretaria de Estado de Cultura já sabia do impedimento legal e teve um semestre para avaliar e resolver os problemas da documentação dos proponentes, para que a implementação dos Pontos de Cultura pudesse ser oficializada antes de 1º de janeiro de 2010. Somente em 25 de março deste ano que a procuradora do Estado Juliana Schidt Fagundes comunicou à Consultoria Jurídica da AGE do problema do repasse de verbas.


De acordo com a assessoria de imprensa da Secretaria de Cidadania Cultural do Ministério da Cultura, a não assinatura dos convênios não invalida o processo de seleção, mas inviabiliza o cronograma inicial, além de prejudicar o atendimento nas comunidades em que os pontos estão inseridos. Os recursos bloqueados pela AGE devem ficar aplicados, e os rendimentos deverão ser usados no objeto do convênio após solicitação formal ao Minc ou deverão ser devolvidos para a União após o encerramento do convênio.


Dentre os cem projetos dos Pontos de Cultura aprovados em Minas Gerais, um deles é o “Favela é isso aí”, que atua com produção de comunicação e informação com jovens de aglomerado de toda a capital. Para a produtora Clarice Libânio, é possível que tenha havido no ano passado uma ingerência para que os convênios pudessem ser assinados. Entretanto, em 2010, ela acredita que a Secretaria está agindo de forma política.


O projeto “Favela é isso aí” consiste na transformação da sede da entidade, no Bairro da Serra, em um Centro de Referência da Cultura Popular Urbana e toda a produção será aberta à toda a comunidade. “A justificativa do projeto é o aces[TEXTO]so público à informação. Nós produzimos muita informação, mas publicamos pouco na internet. Não chega a um décimo do que poderíamos”, afirmou Libânio.


O Querubins, ONG que atende 200 crianças da comunidade Acaba Mundo, no Sion, é um dos cem Pontos de Cultura prejudicados. Lá, há projetos para oficinas de vídeo, mas não há infraestrutura para a realização, já que os recursos não foram repassados. “Tenho um déficit de R$ 10 mil por mês e temos que fazer vários eventos beneficentes durante o ano para tentar evitar um rombo. Somos aprovados em projetos governamentais, mas essas verbas nunca chegam”, desabafa Abelardo Castro, gestor administrativo-financeiro do Querubins.

Sem o recurso, toda a cadeia produtiva do Música Minas fica prejudicada

O Música Minas é um programa que incentiva a circulação de artistas mineiros por outros Estados e pelo exterior, permitindo assim uma maior divulgação da arte produzida no Estado. Como seus recursos são originários do Tesouro Estadual e os participantes do Fórum da Música são entidades privadas, a Advocacia Geral do Estado (AGE) entende que o repasse de recursos públicos para elas está vedado pela mesma Resolução 23.089.


A decisão de impedir que os recursos destinados ao programa pegou os artistas de surpresa. “Só soubemos do impedimento em abril. Se tivéssemos conhecimento disso no ano passado, poderíamos ter nos planejado, buscando alternativas ou procurando fazer o convênio em dezembro. Agora os 25 artistas contemplados deixam de viajar e assim ficam prejudicados toda uma cadeia produtiva formada por produtores, técnicos, donos de casas de shows, entre outros”, afirma Cláudia Brandão, membro do Fórum da Música e diretora do Museu Clube da Esquina.


Segundo ela, no ano passado os músicos que viajaram pelo Música Minas fizeram questão de falar em suas apresentações sobre as vantagens do programa e produziram ainda um catálogo e um DVD. “Vendemos para o mundo algo que hoje não existe. Essa descontinuidade faz com que percamos a credibilidade que ganhamos no mercado”.


Na quarta à noite, na Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa, os membros do Fórum da Música se reuniram com a classe artística para um debate sobre a descontinuidade do Fórum Minas. Em pauta, o fato de outros convênios do Governo de Minas terem sido renovados e a legalidade da determinação da AGE.


Em carta aberta, o Fórum da Música afirma que o ex-secretário de Estado de Cultura Paulo Brant garantiu em dezembro de 2009, em assembleia do setor, que o programa não seria interrompido.

Fonte: http://www.hojeemdia.com.br/cmlink/hoje-em-dia/divers-o/verba-emperrada-para-programas-culturais-em-minas-1.123129

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